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Marcel Rizzo

Como o inchaço de torneios facilita criação de times de aluguel e 'gatos'

Marcel Rizzo

25/01/2017 04h00

"Ô nove, ô nove, toca a bola mais rápido", gritou o companheiro de time, talvez esquecido do nome de seu camisa nove, a quem provavelmente conheceu alguns dias antes de começar a Copa São Paulo de Juniores, o principal torneio de base do futebol brasileiro.

O fato acima foi relatado ao blog por um jornalista presente em uma partida da primeira fase da competição, entre um time paulista e outro do Nordeste, no início de janeiro, e que terão os nomes omitidos a pedido do repórter.

E escancara algo que se tornou regra em torneios de garotos no Brasil: a terceirização das categorias de base a empresários, que procuram manter seus atletas na vitrine. A Fifa proíbe terceiros terem participação nos direitos dos atletas, mas é algo de difícil monitoramento, principalmente em competições com tantos clubes como a Copa SP.

A Copa São Paulo 2017 teve 120 clubes, um recorde de participantes na história que começou em 1969. Foram 3 mil jogadores inscritos, o que torna praticamente impossível uma checagem com qualidade de todas as documentações.

Alguns anos atrás a Federação Paulista de Futebol, que organiza a Copinha, tentou dificultar a montagem de "times de empresários" colocando no regulamento da competição a data de 20 de setembro como limite para que um atleta esteja vinculado a um clube e possa jogar a Copa São Paulo no ano seguinte.

Para os clubes paulistas, entretanto, essa tática não tem surtido efeito porque muitos antecipam a procura de ajuda para montar suas equipes no fim do primeiro semestre, quando iniciam a disputa do Campeonato Paulista sub-20. Ou seja, o torneio se torna quase uma pré-temporada para os times que jogarão a Copinha. Mas esse não é o único problema.

Há casos também, apurou o blog, de que garotos são inscritos no BID (Boletim Informativo Diário) por time X em setembro, mas só vão se apresentar de fato em janeiro, às vésperas da estreia. Não se estranha, portanto, o relatado acima de jogador não sabendo o nome de seu camisa nove.

O clube que recebe o atleta do empresário ou da empresa, tem para ele uma "taxa de vitrine". Uma porcentagem a receber caso o garoto seja negociado por se destacar em torneio vestindo sua camisa. Esses valores variam, mas, em média, são de 20% do valor que o empresário tenha da participação do jogador (muitas vezes os direitos econômicos são fatiados entre muitas partes).

A Federação Paulista informou que conversa com alguns clubes, a fim de tentar evitar de fraudes e melhorar a checagem de documentação de atletas. 

"Hoje, depois de a Fifa proibir terceiros, o fatiamento diminuiu. Equipes hoje têm 100% de suas revelações, algo improvável anos atrás. Mas a maneira de monitorar se há participação de terceiros é econômica. Qualquer negociação é preciso ter a divulgação dos números, para quem e quando foi pago", explicou Carlos Eduardo Ambiel, advogado especializado em direito desportivo.

Tradição

O que chama a atenção nesses casos de times montados muitas vezes em cima da hora, sem que os atletas se conheçam, é que não são apenas clubes recém-criados ou sem estrutura, que têm sua base entregue a procuradores.

O Paulista de Jundiaí [a 60 km da capital paulista], por exemplo, é um dos times mais tradicionais do interior paulista, região que por anos e anos revelou atletas de qualidade e conquistou títulos no estado e no país. Fundado em 1909, o Paulista foi campeão da Copa do Brasil, em 2005, batendo na final o Fluminense.

Mas, para jogar a Copa São Paulo de 2017, usou alguns atletas ligados ao ex-atacante do Santos Alberto Luiz de Souza, campeão brasileiro em 2002. Dono da Alberto Sports, ele já havia participado da montagem do time sub-20 de outra tradicional equipe paulista, o Nacional, da capital, em 2016, e levou alguns desses jogadores para Jundiaí.

Brendon Martins Araújo dos Santos foi um deles. No domingo (22), após denúncia do Batatais, foi descoberto que Brendon, na verdade, se chama Heltton Matheus Cardoso Rodrigues, tem 24 anos, idade com a qual não poderia participar da competição — ele usou o documento de Brendon, que como revelou a ESPN está preso acusado de tráfico de drogas.

A diretoria do Paulista e Alberto se disseram enganados pelo jogador, mas não teve jeito. O clube foi excluído da competição, e quem enfrentará o Corinthians na decisão da Copinha, nesta quarta (25), será o Batatais.

A exclusão do Paulista, portanto, foi consequência da terceirização de parte da equipe, com atleta relacionado a pouco tempo, e sem a checagem devida.

"Não acho o termo terceirização correto, porque há um vinculo do atleta com o clube. Temos que entender como é a relação do atleta com o empresário. Muitos só vão para o clube porque o agente manda, e porque há uma relação de confiança de anos. Tem jogador que fica a vida inteira como o mesmo procurador", disse Ambiel.

O dedo da Fifa

Desde maio de 2015, a Fifa proíbe que terceiros tenham participação nos direitos econômicos de jogadores de futebol. Resumindo: empresa ou empresário não pode receber parte do valor da venda quando um atleta é negociado entre clubes de futebol, a não ser uma comissão pelo negócio.

A entidade mundial entendeu, algum tempo atrás, que o poderio econômico de algumas pessoas estava dominando o esporte, e prejudicando os clubes. Houve, porém, gritaria de times pequenos depois da decisão, reclamando que não teriam dinheiro para montar elencos sem ajuda de intermediários.

A Fifa já investigou e até puniu clubes por fazerem as "transferências-pontes", que é quando uma equipe existe basicamente para registrar atletas que "pertencem" a terceiros, para de certa forma legitimar uma negociação. Houve também multa a clubes que usaram terceiro em negociação – o Santos foi um deles, com valor a pagar de R$ 280 mil.

Sobre o Autor

Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.

Sobre o Blog

Notícias dos bastidores do esporte, mas também perfis, entrevistas e personagens com histórias a contar.