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Marcel Rizzo

O detalhe no processo da Fifa que pode decretar o fim da era Del Nero

Marcel Rizzo

19/12/2017 04h00

Nas mais de mil páginas enviadas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos aos órgãos investigadores da Fifa sobre as delações do chamado Fifagate (corrupção no futebol das Américas), e que implica o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, há um detalhe específico que levou o Comitê de Ética a suspender o brasileiro provisoriamente: a posição do cartola no Comitê Executivo da entidade no período em que os delitos possam ter acontecido.

Para a promotoria americana, o possível recebimento de propina de empresas privadas ser considerado ou não crime em cada país (nos EUA é, no Brasil dependendo da atividade não é) interfere na prisão do acusado, mas não em sua manutenção em cargos dentro das confederações.

Está claro para os americanos que se comprovado que os dirigentes receberam dinheiro para vender direitos comerciais de torneios de futebol, se beneficiando de seus cargos para isso, ele quebraram os códigos de éticas das entidades que representam. Portanto precisam deixá-las.

A documentação analisada pelo Comitê de Ética da Fifa tem as acusações de delatores como o do ex-executivo da empresa Torneos,  o argentino Alejandro Burzaco, de que houve pagamento de propina para Del Nero entre março de 2012 e novembro de 2015, quando ele esteve como membro do Comitê Executivo da Fifa em substituição a Ricardo Teixeira, que renunciara à presidência da CBF e consequentemente a seu posto em Zurique.

Esse detalhe, de que Del Nero pode ter cometido delitos enquanto membro de importante cadeira da Fifa, fez o Comitê de Ética decidir pela suspensão provisória neste momento. Hoje chamado de Conselho, o Comitê Executivo dita os rumos do futebol definindo posições da Fifa, sedes de torneios, entre outros assuntos.

O artigo 22 do Código de Ética da Fifa, de 2012, diz que "está proibido que as pessoas sujeitas a esse código aceitem comissões ou promessa de receber comissões, seja em beneficio próprio, de intermediários ou de partes relacionadas com esses, ou fazer qualquer tipo de negócios em exercício de sua função, salvo com prévia autorização de órgão competente". Ou seja, independentemente de o dinheiro ser lícito ou não, membros da Fifa não podem receber comissões para vender direitos comerciais de competições a que tenham poder para decidir seu destino, a não ser que seja discutido dentro de órgão específico, o que não foi o caso nas situações investigadas pelo americanos.

Essa proibição existe também no Código de Ética da Conmebol, que é de 2013 (e que textualmente é exatamente igual ao da Fifa), e no da CBF, que é mais recente, de 2017 — e que tem a proibição de comissões em seu artigo 17.

Del Nero nega ter recebido essas vantagens, e diz que não há provas sobre isso. Se sua defesa na Fifa conseguir provar isso, ele seguirá seu mandato como presidente da CBF até abril de 2019, e até ser reeleito em eleição que deve ocorrer em 2018. Mas se o comitê entender que houve quebra do código, a pena pode superar os seis anos de suspensão, o que acabaria com sua carreira no futebol.

Fator Marin

O comitê suspendeu na sexta (15) Del Nero provisoriamente por 90 dias de qualquer atividade do futebol — o período pode ser prorrogado por mais 45 dias dependendo do andamento da investigação. Como mostrou o blog na sexta, o comitê costuma suspender de forma provisória quando já vê indícios de problemas e cartolas da Fifa apostam que o brasileiro será suspenso por anos.

Del Nero nega qualquer irregularidade e promete recorrer da suspensão provisória e de qualquer sanção mais longa que for aplicada. Sua defesa afirma que não há assinatura dele em qualquer documento da venda dos direitos de torneios como a Copa do Brasil, por exemplo, já que as investigações ocorrem por supostos delitos acontecidos antes de abril de 2015, quando ele assumiu no lugar de José Maria Marin.

Marin está sendo julgado neste momento pela Justiça dos EUA, com dois outros cartolas sul-americanos (o paraguaio Juan Ángel Napout, ex-presidente da Conmebol, e Manuel Burga, ex-chefe da federação peruana). Todos negam as acusações, mas a defesa de Marin tem usado a estratégia de tentar mostrar que ele era apenas uma marionete de Del Nero enquanto esteve na presidência, de março de 2012 a abril de 2015. Del Nero era o vice.

O atual presidente da CBF não foi a julgamento por não ter se apresentado às autoridades norte-americanas. No Brasil, é difícil uma investigação e até condenação mesmo se comprovado recebimento de dinheiro de empresas privadas para beneficiar assinaturas de contrato – a nova Lei Geral do Esporte quer proibir essas vantagens, mas está empacada no Senado.

Mais de uma dezena de cartolas, incluindo ex-presidentes de Confederações filiadas à Conmebol, como Sergio Jadue (Chile) e Luis Bedoya (Colômbia), se declararam culpados do recebimento de propina, pagaram multas e estão em liberdade após colaborarem com as investigações. Mas suas carreiras no futebol acabaram.

Sobre o Autor

Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.

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