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Marcel Rizzo

Regra muda, mas diagnóstico de concussão no futebol brasileiro ainda falha

Marcel Rizzo

09/06/2018 04h00

A concussão sofrida pelo goleiro Loris Karius, do Liverpool, na final da Liga dos Campeões retomou a discussão sobre a dificuldade de, no futebol, se diagnosticar o problema durante os jogos. Relatório de lesões da CBF para os 380 jogos do Brasileiro de 2017 mostrou estagnação no diagnóstico da concussão – das 327 lesões, apenas 4% foram concussões, 14, número pouco superior ao de 2016 (11, mas os mesmos 4% porque foram menos lesões no total há dois anos, 312).

A previsão, porém, era de que novas recomendações da Fifa para pancadas na cabeça fizessem com que a identificação dessa lesão aumentasse, apesar de o protocolo adotado ainda não ser o ideal segundo especialistas e estar longe do cuidado que outras modalidades, principalmente de esportes americanos, têm.

Hoje, se um jogador leva uma pancada na cabeça durante a partida, e o médico do clube percebe ele pode entrar no campo sem pedir autorização ao árbitro, o que anteriormente ocasionaria numa advertência ou até expulsão. Ele tem três minutos para realizar testes com o atleta para identificar se há ou não a confusão mental, principal sintoma da concussão. O jogo fica parado durante esse tempo, mas se o médico entender que é preciso mais tempo, o atleta tem que sair de campo, deixando sua equipe com um a menos pelo período do exame ou até uma substituição.

Foi um avanço, já que anteriormente se o atleta não perdesse a consciência seguia em campo sem qualquer exame, mas ainda não o ideal, admitem até membros da comissão médica da CBF. No caso de Karius, ele levou uma cotovelada de Sergio Ramos, do Real Madrid, e permaneceu na partida. Depois falhou em dois gols do rival, que venceu por 3 a 1 e ficou com a taça. O diagnóstico de concussão só foi divulgado essa semana, quase 15 dias após a partida.

Como o blog mostrou em junho de 2017, o chefe da comissão médica da CBF, Jorge Pagura, defende que uma regra seja criada para que um atleta lesionado, principalmente em casos de pancada de cabeça, fique 10 minutos fora de campo e o time possa fazer uma substituição temporária, para não ficar com um a menos. Se o jogador for liberado pelo médico, volta, caso contrário a substituição se torna definitiva. Ao blog do Rodrigo Mattos, Pagura disse essa semana que a CBF quer testar essa substituição provisória em jogos do sub-20, para levar a sugestão à Fifa. Mattos também revelou que a Fifa usará o árbitro de vídeo na Copa da Rússia para identificar pancadas que possam ser mais graves.

Comparando as lesões relatadas pelos departamentos médicos dos clubes à CBF, de 2016 para 2017 houve aumento de problemas no joelho (9% para 15%) e de tornozelo (9% para 11%), enquanto os machucados na coxa caíram de 42,4% para 35% — ainda assim, o estiramento nessa parte do corpo continua como a lesão mais comum, também com 35%.

Protocolos

A concussão cerebral é a perda da consciência de curta duração, que acontece logo após um traumatismo craniano (bater com a cabeça). Ela caracteriza-se pela presença de sintomas sem nenhuma lesão identificada, mas com danos microscópicos, dependendo da situação, reversíveis ou não. Essa ausência de lesões visíveis é o que faz com que muitas atletas que sofrem concussão em uma partida de futebol voltem a campo.

Há casos famosos, como o meia alemão Kramer, que jogou a final da Copa do Mundo de 2014 e após um choque com o argentino Garay sofreu uma concussão. Num primeiro momento continuou em campo, mesmo após atendimento, mas ficou desorientado. O árbitro italiano Nicola Rizzoli percebeu, já que Kramer chegou a perguntar se realmente estava na final, e pediu que fosse substituído, o que ocorreu ainda no primeiro tempo.

Há casos, porem, que o atleta insiste em ficar. Como o uruguaio Álvaro Pereira, que no mesmo Mundial de 2014 sofreu uma forte pancada na cabeça na partida contra a Inglaterra, ficou desorientado, mas mesmo assim retornou ao jogo – quase exigindo isso ao médico e ao árbitro.

Dois meses depois, em agosto, em campo pelo São Paulo contra o Criciúma, Pereira caiu no chão, e bateu com força a cabeça no gramado. Também teve sintomas de concussão, mas novamente voltou à partida. Nas semanas seguintes ele passou por alguns testes, só sendo liberado a jogar quando foi constatado que não havia risco de algo mais grave.

"A política da FIFA é uma política de recomendação. Não existe um protocolo obrigatório da FIFA como existe em outros esportes para proteger jogadores em caso de concussão. Esse assunto tem sido revisitado pela FIFA ultimamente, desde o caso do Kramer", disse Américo Espallargas, advogado especializado em direito desportivo pelo escritório CSMV. "Os esportes americanos são um bom paradigma pra gente tratar dos casos de concussão. Ao contrário da FIFA, que tem uma diretriz, na NFL (liga de futebol americano) é um protocolo obrigatório: todo jogador que sofre uma pancada na cabeça, que caia no chão, que aparente perder os sentidos, que coloque a mão na cabeça ao sofrer um choque, tem que obrigatoriamente passar pelo protocolo", disse Espallargas.

Esse protocolo dura 15 minutos, e o jogador, muitas vezes, é levado ao vestiário para responder as perguntas que podem indicar ou não a confusão mental. No caso da NFL, ou da NBA (basquete) e do hóquei, os jogadores podem ser substituídos quantas vezes for necessário, o que facilita o tempo necessário para o diagnóstico.

" A NFL reformou recentemente a política no futebol americano para tratamento de concussão, muito em razão de ter sofrido danos na casa de bilhão de dólares em razão de ações coletivas promovidas pelos jogadores de futebol americano, ou no caso ex-jogadores, pelos danos cerebrais que lhes foram causados em razão das concussões", disse o advogado.

No futebol, ainda não se conhece relatos de atletas que processaram entidades ou clubes por danos na cabeça. Mas, nos últimos anos, esses tipos de lesões aumentaram muito, segundo Jorge Pagura, porque o futebol ficou mais físico, com mais contato. E o número de concussões diagnosticadas ter se mantido no mesmo patamar nos últimos anos mostra que, realmente, o protocolo ainda pode ser deficiente para uma lesão que pode causar danos irreversíveis no cérebro.

Uma das principais é a ETC. Foi nos EUA que se passou a ligar a encefalopatia traumática crônica a outros esportes que não apenas o boxe. A doença neurodegenerativa é causada por pancadas repetidas na cabeça, que se leva à perda de memória e falta de atenção, dor de cabeça e evolui para agressividade, confusão mental, podendo levar ao suicídio.

Sobre o Autor

Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.

Sobre o Blog

Notícias dos bastidores do esporte, mas também perfis, entrevistas e personagens com histórias a contar.