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Marcel Rizzo

Relatório inédito da Fifa mostra o (pouco) que se gasta no futebol feminino

Marcel Rizzo

27/09/2018 04h00

Em janeiro de 2018 a Fifa passou a monitorar as transações no futebol feminino por meio do Sistema Internacional de Transferências (ITMS, na sigla em inglês), uma plataforma digital em que clubes informam a negociação entre países de qualquer atleta profissional, inclusive com valores. Na semana em que uma brasileira, Marta, voltou a ser escolhida a melhor do planeta, um documento da Fifa escancarou a diferença financeira e estrutural entre homens e mulheres no futebol.

O relatório produzido pela primeira vez pela entidade e enviado às 211 associações filiadas mostrou que entre 1º de janeiro e 1º de setembro de 2018, 577 transações de jogadoras foram realizadas, gerando a quantia de US$ 493,2 mil (R$ 2 milhões). É uma diferença colossal para os números de jogadores envolvidos em negociações internacionais no mesmo período: 15.049, que resultaram em US$ 7,1 bilhões (R$ 29 bilhões).

Pela primeira vez, a Fifa conseguiu ter uma noção do dinheiro gerado pelo futebol feminino e, principalmente, de mecanismos de transferências. O próprio documento produzido é claro ao dizer que essa diferença gigantesca de valores era, de certa forma, esperada porque existem mais times e campeonatos no futebol masculino (em média 50% a mais por confederação, segundo o relatório), e consequentemente mais jogadores que hoje fazem circular bem mais dinheiro. Muitos atletas masculinos se tornaram celebridades e devolvem os valores que recebem a seus clubes em forma dos patrocinadores que associam as marcas justamente para terem esses astros por perto — o ITMS é usado para os homens desde outubro de 2010.

Mas mais do que a diferença brutal de valores, o relatório mostra que apesar de envolver algum dinheiro o futebol feminino no mundo todo ainda tem muito do amadorismo. Por exemplo: os clubes da Colômbia foram os que mais contrataram atletas no período, com 69 negociações, 33 de equipes da Venezuela. Ao mesmo tempo, os clubes venezuelanos receberam 25 atletas, nono na lista, sendo que 21 desses negócios foram com clubes da Colômbia.

Os membros da Fifa que elaboraram o relatório foram averiguar detalhes dessas transferências e descobriram que isso ocorreu porque, devido ao calendário feminino não contemplar jogos o ano todo na maioria dos países, as atletas acabam migrando de clube em clube a procura de federações com campeonatos em atividade. As venezuelanas foram atuar na Colômbia no começo do ano porque em seu país não havia jogos, e não teriam dinheiro a receber porque os contratos foram suspensos. No meio do ano, parte delas retornou à Venezuela para jogar a competição local.

Algo parecido foi identificado entre atletas de clubes australianos e norte-americanos, que inclusive têm melhor estrutura do que os da América do Sul. No período analisado, 38 jogadoras deixaram times da Austrália rumo aos EUA. A maioria dessas negociações ocorreu entre 12 de fevereiro, data do fim do principal campeonato australiano (a W League), e 24 de março, quando começou a US National Women's Soccer League. Ou seja, as australianas, ou jogadoras de outras nacionalidades que estavam no país, atuaram parte do ano na Oceania (que na geografia da Fifa faz parte da Ásia) e a outra parte nos EUA. Sempre para ter um contrato ativo.

No Brasil e América do Sul, as regras de licenciamento de clubes para participação em torneios importantes do masculino como Brasileiro e Libertadores incorporaram a necessidade da criação dos departamentos do futebol feminino. É provável que a partir de 2019 a CBF consiga realizar um Nacional entre as mulheres com os principais times do Brasil, o que teoricamente aumentaria o interesse de torcedores e de patrocinadores. Apesar do pouco investimento na modalidade, as brasileiras foram as terceiras jogadoras mais negociadas entre janeiro e setembro, com 40 transações, atrás das venezuelanas (64) e americanas (108).

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Sobre o Autor

Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.

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