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Marcel Rizzo

Clubes reclamam a Cade de discriminação em oferta da Globo para Brasileiro

Marcel Rizzo

03/10/2018 04h00

A negociação que pode fazer com que quase 30% dos jogos do Brasileiro da Série A em 2019 não tenham transmissão em TV aberta chegou ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que desde 2016 tem processo aberto sobre direitos de transmissão do futebol no Brasil. Três dos clubes que ainda não fecharam com o Grupo Globo para TV aberta e pay-per-view a partir do ano que vem, e que têm acordo com concorrente para TV fechada (Turner), reclamaram ao conselho do redutor contratual oferecido que pode chegar a 20% do valor total.

O Atlético-PR, por exemplo, escreveu que "a proposta realizada pelo Grupo Globo no dia 7 de fevereiro de 2018 continha condições discriminatórias que estavam expressamente motivadas na cessão dos direitos de transmissão das mesmas temporadas, para mídia TV fechada, a outro grupo de comunicação (Esporte Interativo). Sem prejuízo de possível identificação de outros, constava expressamente da referida proposta condições de redução do valor".

O documento enviado ao Cade pelos paranaenses é de 13 de julho de 2018, mesma data que o Bahia respondeu que a oferta oferecida pelo Grupo Globo "evidenciou uma situação contratual desequilibrada e desvantajosa para o clube". Um dia antes o Coritiba, que disputa a Série B em 2018, afirmou ao Cade que acredita ter havido discriminação na proposta formulada. Dentre os clubes que responderam ao conselho, e aos quais o blog teve acesso, o único que negou qualquer problema foi o Inter, que já assinou com a Globo de 2019 até 2024.

Ao Cade, também por escrito, a Globo rejeitou a discriminação e informou que a negociação com os clubes que têm contrato com terceiros para TV fechada ocorrem normalmente, sem qualquer empecilho, nas mesmas condições dos demais, mas que estão sujeitas a certas particularidades. "Negociações com agentes diversos (de uma mesma mídia ou diferentes mídias), que transmitem jogos de uma rodada com número finito de jogos em um dado campeonato, podem implicar diferenciações nos valores a serem efetivamente pagos", escreveram os representantes da empresa no dia 13 de julho.

Queda de braço

Dos 20 clubes que hoje disputam a Série A do Brasileiro, 17 já fecharam com o Grupo Globo os direitos de transmissão para TV aberta e pay-per-view para o período de 2019 a 2024. Atlético-PR, Bahia e Palmeiras, que têm contrato com a Turner, da marca dos canais Esporte Interativo, para TV fechada ainda não assinaram paras as outras plataformas por não aceitarem o redutor oferecido pela Globo. A empresa alega que não ter a exclusividade de determinadas partidas faz com que haja a perda de valor do produto, seja em TV aberta (com anunciantes) seja no pay-per-view, com a venda para assinantes.

Alguns clubes aceitaram assinar mesmo assim, casos de Inter e Santos que também têm contratos com a Turner para TV fechada. A proposta da Globo para TV aberta prevê a divisão de 40% do valor total entre os 20 times (algo em torno de R$ 600 milhões), 30% por jogos exibidos e mais 30% pela performance. No PPV há uma remuneração de acordo com o time para o qual torce o assinante. Os que fecharam com a Turner teriam direito a cerca de 20% a menos do total a receber ao final do campeonato, levando em conta todos os fatores, como jogos exibidos e colocação final.

"Tais diferenciações decorrem de uma entrega de produtos diferenciados e não plenamente comparáveis ou compatíveis, sendo certo daí porque o tratamento isonômico, no caso, exige que se reconheçam as diferenças, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade", escreveu a Globo ao Cade.

O Bahia, em sua resposta ao Cade, disse ter estranhado o fato de o Grupo Globo ter oferecido valor inferior mesmo não abrindo mão de transmitir as partidas que poderia ter que dividir com a concorrência (por exemplo, um Bahia x Santos, que na TV fechada seria propriedade da Turner). "Dessume-se, pois, que o Grupo Globo pretende obter a cessão graciosa dos direitos de transmissão de alguns dos jogos do Esporte Clube Bahia no Campeonato Brasileiro, o que evidencia situação contratual desequilibrada e desvantajosa para o Clube", diz o texto do clube baiano.

No momento, 108 das 380 partidas da Série A de 2019 não teriam transmissão em TV aberta e nem no pay-per-view por causa dos três times que ainda não assinaram para essas duas mídias — esse número pode aumentar ou diminuir, a depender dos clubes que subirem da Série B e dos que forem rebaixados. Isso ocorre porque a Lei Pelé, em seu artigo 42, diz que os direitos de transmissão, retransmissão e produção de imagens pertencem às entidades de prática desportiva. Apesar de algumas pessoas afirmarem que o texto indica que o clube que detenha o mando de campo tem o direito de transmissão daquele jogo, especialistas e executivos das principais emissoras avaliam que o artigo diz que os dois times possuem esse direito. Ou seja, ambos precisam autorizar a transmissão.

"Não se administra algo como futebol, em dezenas de negociações individuais, relacionadas a um mesmo produto comum coletivo, "um único campeonato", sem estabelecer padrões, modelos uniformes, e que comunicam clubes. Afinal, dois clubes participam de cada jogo e, a cada rodada, todos os clubes disputam jogos. Faz-se necessário que acordos individuais atuem feito rios correndo para o mesmo mar", finalizou a Globo sua resposta ao Cade.

Vinculado ao Ministério da Justiça, o Cade atua pela livre concorrência no mercado. Pode, por exemplo, aplicar uma multa se entender que houve deslealdade em alguma negociação, ou até desfazer um acordo. O processo dos direitos de transmissão, porém, tramita desde 2016 e executivos do mercado ouvidos pelo blog avaliam que o fato de hoje existir concorrência, com a entrada da Turner nas transmissões, dificilmente fará com que haja punição a alguém nessa investigação específica. Não há um prazo para que o Cade encerre o processo.

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Sobre o Autor

Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.

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