Até Carille sofreu: regra torna Copa do Brasil principal vilã para técnicos
Marcel Rizzo
09/02/2018 10h30
Há um consenso entre cartolas, treinadores e procuradores de futebol de que a Copa do Brasil, com o regulamento atual, se tornará a nova vilã para emprego de técnicos no começo do ano, tomando o lugar dos Estaduais.
Ao fim da primeira fase dessa edição de 2018, más atuações, e até eliminações de grandes clubes, fizeram com que treinadores ficassem na berlinda. Felipe Conceição, do Botafogo, entrou na mira da diretoria com a derrota para o Aparecidense, de Goiás. Oswaldo de Oliveira, do Atlético-MG, se estressou a ponto de partir para cima de um repórter depois de seu time somente empatar contra o Atlético Acreano — o 1 a 1 classificou os mineiros por força do regulamento, mas a péssima atuação aliada ao destempero de Oliveira o fizeram ser demitido nesta sexta (9).
Desde 2017, a CBF transformou as duas primeiras fases da Copa do Brasil em jogo único. Na primeira etapa, os times mais tradicionais visitam os pequenos, e jogam pelo empate. Na segunda, a igualdade leva a decisão para os pênaltis, mas as equipes melhores ranqueadas pela confederação podem atuar em casa.
O Botafogo podia empatar para passar pelo Aparecidense, que disputou a Série D (Quarta Divisão) nacional em 2017, um benefício enorme levando em conta a diferença técnica entre as equipes. O 2 a 1 contra, porém, jogou uma enorme pressão sobre o novato Felipe Conceição, algo que até 2016 era uma especialidade de tropeços nos hoje bem pouco valorizados Estaduais — dez entre dez executivos de futebol concordam que técnicos com o perfil de Conceição, que são promovidos de cargo de auxiliar, precisam conseguir bons resultados a curto prazo para ter vida longa em clubes grandes.
Fábio Carille é o grande exemplo disso. No fim de 2016 ele foi promovido ao comando técnico do Corinthians para 2017, não sem antes o clube paulista procurar outros treinadores, como o colombiano Reinaldo Rueda. O ano começou com desconfiança: no Estadual, que para muitos serve apenas para desestabilizar trabalhos, o Corinthians perdeu um jogo em casa para o Santo André, e acumulou vitórias magras por 1 a 0 — uma sobre o rival Palmeiras, é verdade, mas que não deu a paz ideal para Carille no início de trabalho.
Outro 1 a 0 adiantou para classificar o time para a segunda fase da Copa do Brasil, vitória sobre a Caldense-MG, mas começou a se questionar a efetividade do ataque corintiano com Carille no comando. Veio o dia 1º de março, e o Corinthians visitou o Brusque, em Santa Catarina, pela segunda fase do torneio mata-mata. O jogo não teve gol, e os paulistas venceram nos pênaltis, 5 a 4, depois de uma reviravolta — estiveram a ponto de ser eliminados.
O blog ouviu de pelos menos duas pessoas com trânsito entre os dirigentes do Corinthians de que havia pressão sobre Carille naquele momento, e que uma derrota em Brusque, se não o fizesse sair imediatamente, faria a direção voltar a procurar um treinador. Ou seja: o técnico que nos meses seguintes se tornou a sensação do ano, levando o Corinthians aos títulos Paulista e Brasileiro, ao melhor primeiro turno da Série A da história e à montagem de uma das equipes mais seguras defensivamente dos últimos anos, poderia ter perdido o emprego por causa de uma derrota na Copa do Brasil.
Desde que deixou de ser um classificatório para a Copa do Brasil (que leva à Libertadores), os Estaduais perderam importância. Também houve a valorização do Brasileiro, que em 2003 se tornou por pontos corridos e ocupou mais espaço no calendário, limitando os Paulistas, Cariocas e outros aos primeiros meses do ano. Justamente o período em que os times estão sendo montados, e quando os resultados demoram mais para chegar.
Tropeços nos Estaduais se tornaram o martírio dos técnicos, principalmente dos mais jovens. Muitos chegavam minados ao começo do Brasileiro, e quando os maus resultados persistiam, a queda era quase inevitável — vide Eduardo Baptista no Palmeiras, no ano passado.
Agora, o Estadual ganhou a companhia da Copa do Brasil como torneio "exterminador" de treinadores no começo do ano, com dois agravantes: o fracasso no Estadual demora algumas rodadas, e meses, para ser identificado. No campeonato da CBF, é um jogo, uma noite, para que a campanha termine. Há também a questão financeira já que hoje a Copa do Brasil premia muito bem (o campeão pode levar mais de R$ 68 milhões). Ou seja, há um prejuízo para o caixa enorme sair tão precocemente da competição.
Oswaldo de Oliveira sentiu isso na pele mesmo ganhando, Conceição está sentindo ao perder e nos próximos anos, com o regulamento mantido, isso deve continuar.
Sobre o Autor
Marcel Rizzo - Formado em jornalismo em 2000 pela PUC Campinas, passou pelas redações do Lance!, Globoesporte.com, Jornal da Tarde, Portal iG e Folha de S. Paulo, no qual editou a coluna Painel FC. Cobriu Copas do Mundo, Olimpíada e dezenas de outros eventos esportivos.
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Notícias dos bastidores do esporte, mas também perfis, entrevistas e personagens com histórias a contar.